sábado, 10 de setembro de 2016

MAKIWARA – treinar ou não.
Inicialmente é importante que ressalte que o objetivo do treinamento na makiwara não é o de calejar ou deformar as mãos.
A makiwara é um instrumento de desenvolvimento do poder de penetração dos golpes do implemento da velocidade, foco e precisão.
A diferença que entre um golpe penetrante - aquele que projeta a força além do golpe e um simples choque entre a mão e um alvo é grande.
O resultado de um golpe bem aplicado é marcante. Quem já viu um golpe aplicado corretamente num quebramento pôde perceber que a mão "atravessa" o alvo, o que é radicalmente diferente de um quebramento mal sucedido, no qual a mão se choca com o alvo e ricocheteia nele sem a quebra.
Treinar na makiwara, apenas para endurecer as mãos é equivalente a usar uma espada como um porrete. Uma espada é um instrumento para cortar enquanto que o porrete é um instrumento para bater.
Quando se treina com a consciência correta do objetivo, a possibilidade de acidentes ou sequelas é mínimo, as lesões que porventura aconteçam são quase sempre derivadas da construção incorreta da makiwara (sem observância de princípios físicos ou ergonômicos), da técnica errada e de objetivos de treinamento incorretos.
O primeiro princípio físico que deve ser observado em qualquer tipo de treinamento que implique em golpear uma superfície sólida é a Terceira Lei de Newton: Toda ação corresponde uma reação, na mesma direção e sentido contrário. No caso da makiwara, isso pode ser traduzido como: Se você bate na makiwara, a makiwara bate em você. O desconhecimento deste princípio é a causa principal das lesões crônicas de longo prazo.
Em geral o que se observa são makiwaras construídas com madeira muito dura, com espessura excessiva. E, o que é pior, mantendo a mesma espessura da base até o topo. Quanto maior a espessura da madeira, mais rígida será a makiwara, se a espessura da madeira for à mesma da base até o topo pior ainda.
Quando se tem uma correta relação espessura/base, a madeira rígida se torna uma lâmina flexível, conseguindo-se um efeito de mola de modo que, ao ser atingido, ela cede e uma parte do impacto será absorvida pela estrutura interna da madeira que ao se curvar sob o impacto do golpe transforma-se em calor.
Desta forma, a energia devolvida para a mão é bem menor que o impacto inicial.
Além dos óbvios problemas ergonômicos que podem advir da relação entre a altura do praticante e a da makiwara.
A transmissão de força de um soco direto é máxima quando o movimento chega ao seu final, nesse momento o braço deve estar paralelo ao chão, fazendo com que a reação seja mais absorvida devido à anatomia do braço, ombro e coluna vertebral.
Agora vamos falar sobre a superfície de impacto, propriamente dita. Existe um conceito incorreto, de que quanto mais dura for à superfície, mais preparadas ficarão as mãos do praticante, fabricar uma makiwara com superfície de elevada rigidez é desejar uma lesão.
Não é necessário ser um ortopedista para perceber que é contra indicado atingir repetidamente uma superfície rígida com as articulações dos dedos.
O próprio Funakoshi adverte sobre o risco desta prática no livro "Karate-Do, My Way of Life" e no "Karate-Do Nyumon" quando critica praticantes que batem na makiwara até verem as mãos sangrando com a intenção de exibir suas "cicatrizes de guerra" e inflar os egos diante dos outros praticantes mostrando-se durões e indiferentes à dor.
Uma superfície rígida vai devolver integralmente o impacto à mão. Um alvo de um material capaz de transformar parte do impacto em calor, diminui consideravelmente a reação sobre a mão.
As considerações físicas sobre materiais capazes de absorver parte do impacto não se aplicam quando o tempo de impacto for muito pequeno (golpes rápidos) de modo que a velocidade de deformação das superfícies envolvidas seja muito alta (deformação adiabática).
Outro ponto importante é a distância entre a makiwara e a parede. A makiwara não deve ficar próxima de uma parede, de modo que, ao ser atingida não seja freada.
Quanto à técnica, a boa fundamentação é essencial para que deficiências posturais, falta de preparação muscular e articular, excesso de força ou aplicação incorreta dos golpes não agravem a possibilidade de lesões por esforço (incorreto) repetitivo.
Numa classificação simples, abstraindo-se as posições de base e deslocamento e fatores que dependem da morfologia do praticante e da escola de Karate, há basicamente duas maneiras de se atingir a makiwara:
1- Rapidamente e com a puxada da mão (Hikite) logo após o impacto;
2- Rápido e forte, mantendo a posição final da mão após o impacto; Ambos os modos podem ser realizados com graus diferentes de aplicação de força, dependendo dos objetivos do treinamento.
Se perguntarmos a muitos dos praticantes de Karate sobre o porquê do uso da makiwara, em geral as respostas tenderão ao seguinte lugar-comum: ‘Para preparar as mãos para impactos a partes duras da anatomia do adversário.
Isso nos lembra imediatamente das calosidades escuras com a aparência de chifre, que alguns praticantes mais antigos exibem nas articulações dos dedos. Tais calosidades, em geral, são conseguidas ao longo de muitos anos de treinamento com makiwara.
Por observação direta, os praticantes que conheço e que apresentam estas calosidades, possuem alguma dificuldade para executar movimentos mais refinados com as mãos como exigido em alguns Kata e para realizar tarefas mais delicadas como, por exemplo, escrever com uma caligrafia bonita ou desenhar figuras geométricas com acurácia.
Outra indicação desta perda de destreza para realizar movimentos precisos e refinados é o fato de que, de um grupo de cirurgiões praticantes de karate e ligados ao Centro de Estudos de Artes Marciais do DF, nenhum se exercita com makiwara regularmente ou pratica Tameshiwari justamente por razões profissionais.
Ao se definir objetivos de treinamento para se trabalhar com a makiwara devemos levar em conta os seguintes objetivos a serem alcançados: Melhora da velocidade, distância e precisão dos golpes, ganho de poder de penetração dos golpes e aperfeiçoamento das técnicas envolvidas.
Para melhorar a velocidade, o treinamento deve ser realizado atingindo-se a makiwara de uma distância tal que ao final do golpe a mão apenas toque a superfície de impacto.
Neste caso, partindo-se de uma posição de luta, atinge-se a makiwara com a maior velocidade possível, sem preocupar-se em "afundar" o golpe e recolhendo a mão, se possível, mais rápido ainda.
Não deve haver preocupação com tensionamento do braço ou do pulso, pois a mão vai apenas tocar na superfície de contato.
Para o treinamento de distância e precisão, basta que o praticante se afaste cada vez mais da makiwara e golpeie mantendo as mesmas premissas acima: máxima velocidade, apenas tocar a makiwara (precisão linear) e atingir o centro do alvo (precisão lateral).
Quanto maior a distância inicial, maior a dificuldade em se realizar essas três coisas. Nesse tipo de treinamento não se deve procurar afundar o golpe ou realizá-lo com força, pois, por mais bem projetada que tenha sido a makiwara. Para golpes rápidos, apenas uma pequena parte da energia do impacto será dissipada, de forma que se a mão ainda estiver presente quando a makiwara oscilar e voltar, parte considerável do impacto da reação será devolvido à mão.
Observe-se que para esse tipo de treinamento há uma inversão do senso comum: Acertar com muita força ou aprofundar o golpe nesse caso é errado.
Agora, para obter ganho no poder de penetração dos golpes, o posicionamento inicial deve ser tal que a mão, ao fim do golpe, ultrapasse a linha da makiwara por, pelo menos, a distância de um punho.
A partir de uma posição de luta, atinge-se a makiwara, tentando fazer com que a mão, ao final, esteja pressionando a makiwara e a mesma encontre-se inclinada para além do seu eixo.
Do momento do impacto até a posição final, mão e makiwara não devem perder contato e, ao final, o praticante deve estar posicionado em base, com postura correta e com a mão que golpeou estendida na posição final do soco e tensionando a makiwara.
O golpe deve ser seco. Não vale empurrar a makiwara.
Aqui vem uma questão técnica sutil. O golpe agora não deve ser realizado contra a makiwara. O objetivo não é bater na makiwara, mas, sim, "através" dela.
O praticante deve socar como se ignorasse a presença da makiwara levando o golpe até o final. Nem é preciso dizer que isso só deve ser realizado por praticantes razoavelmente adiantados e capazes de socar "corretamente" de acordo com as instruções do professor.
Se o golpe for dirigido contra a makiwara sem a tentativa consciente de ultrapassá-la, o máximo que conseguiremos serão alguns calos nas mãos e, algumas lesões na pele, nos pulsos, cotovelos ou ombros.
Este tipo de treinamento não deve ser realizado em makiwara excessivamente rígidas e nem com superfície de impacto muito duras pelos motivos já expostos.
Aliás, a combinação de makiwara rígida, superfície dura e golpe dirigido à makiwara e não através dela são a causa primária de lesões, tanto imediatas e agudas quanto as crônicas.
Na diferença entre socar além da makiwara e socar na makiwara é que está a diferença entre apenas endurecer as mãos ou condicionar corpo e mente para ganhar foco e poder de penetração.
Um ponto importante que não podemos deixar de comentar é a execução correta do golpe. Para isso a perícia do praticante e as instruções e acompanhamento do professor são essenciais.
Os praticantes devem ser orientados não só quanto à técnica correta dentro dos fundamentos do Karate, mas também sobre os objetivos de cada tipo de treinamento, sobre noções de segurança e potenciais riscos de lesões a curto e longo prazos.
A avaliação sistemática efetuada pelo professor é indispensável para a correção de detalhes técnicos. Por mais que o aluno seja orientado, se deixado entregue a sua própria sorte, lentamente acabará desenvolvendo vícios de execução que poderão se transformar em lesões crônicas.
Também não poderia me furtar a esclarecer, por mais que pareça o obvio, que parara que o professor possa ‘mostrar’ o movimento correto a ser executado e o objetivo a ser alcançado, é necessário que ele tenha longos anos de prática e chame a makiwara de você e não de senhor. Se é que consigo me fazer entender.
O que tenho percebido, na nova e moderna geração de professores praticantes de Carate Esportivo é que praticamente não existe mais esse equipamento no local de treino. Infelizmente seu uso foi considerado anacrônico e desnecessário, tendo em vista os modernos objetivos esportivos.
A importância do acompanhamento regular por parte do professor é definir um programa de treinamento personalizado e com metas realistas, adequado aos objetivos desejados, levando em consideração a morfologia e capacidade técnica.
Já que estamos falando de metas realistas, um grande engano relacionado á definição dos objetivos merece especial atenção: devido à inexperiência, orientação incorreta ou maus exemplos, muitos praticantes tendem a exagerar, tanto na quantidade de repetições e intervalos na sequência de treinamento, quanto no emprego de força e/ou amplitudes excessivas ao realizar os movimentos e golpes. Novamente a orientação e acompanhamento do professor é importante.
"Tudo em demasia é excesso. E todo excesso é ruim". Esse axioma reflete e resume exatamente como a prática exagerada pode ser o ponto de partida para lesões e danos permanentes.
Toda essa nossa conversa versa sobre o treino na tradicional makiwara em forma de estaca de madeira, destarte, existem vários outros tipos. Uma em especial, merece ser citada por me parecer a que tem maior potencial para causar danos.
Alguns dojo usam um artefato que consistem em um bloco de madeira preso na parede. Este bloco possui uma ou mais reentrâncias (fendas) paralela à parede e ao longo de quase toda a sua extensão, de modo que quando o golpe atinge a face alvo, a deformação resultante faz com que ela ceda por uma extensão igual à da fenda (na ordem de alguns milímetros).
Este tipo de makiwara, não deve ser usada para treinamento de penetração, pode ser utilizada com restrição, pois o retorno da energia é forte e pode causar dano.
Como já disse antes, a maioria dos professores não utiliza mais esse importante equipamento, desprezarem esse treinamento por ser inútil em competição. Essa concepção vem do preconceito de que a makiwara tem como único objetivo calejar as articulações dos dedos indicador e médio.
Estão corretíssimos, realmente, mãos calejadas não têm muita utilidade em competições por pontos e, a bem da verdade, também não garantem socos mais fortes no caso de competições com contato.
Trata-se de entendimento incorreto dos reais objetivos. O treinamento correto é o aprimoramento de velocidade, precisão, foco, controle e poder de penetração. Naturalmente, que se praticada com uma finalidade esportiva é obviamente uma ferramenta importante para o competidor, seja por pontos, seja por nocaute, bastando que se exclua o treinamento de penetração, dando ênfase ás outras valências.
Vamos agora a um pouco de informação científica e histórica.
O soco de um karateca altamente treinado pode atingir uma velocidade de 13 metros por segundo, produzindo uma força equivalente a 680 quilos. Essa alta velocidade do soco e seu alto impacto já foram alvo de vários estudos acadêmicos e pesquisas de campo.
Esse equipamento foi criado na ilha de Okinawa. Makiwara significa palha enrolada (maki - enrolada e wara - palha), foi dado esse nome porque no local onde se efetuava o soco era colocada uma palha enrolada para amortecer o impacto do golpe. Atualmente é colocado uma borracha de 0,5 mm a 1 cm de espessura para proteger a mão do lutador.
Muito comum em dojos mais carenciados é utilizar uma sandália (tipo havaiana) cortada e em cada extremidade da sandália é amarrada uma corda fina. Para mulheres karatecas, que não desejam a possibilidade do calejamento das articulações, pode-se usar algo mais macio.
Tradicionalmente a makiwara é construída de ipê ou peroba. A makiwara possui um comprimento de 1,50 m acima da linha dos pés. Esta é considerada uma altura padrão porque o braço esticado de um adulto ao tocar na makiwara forma um ângulo de 90º, medida ideal para o treino de soco. Sua largura deve ser de 10 cm e a espessura é de 6 cm na base e 2 cm na ponta.
Para o treino de velocidade a série deve ser de 6 a 10 repetições, com um intervalo passivo de 30 a 40 segundos para produzir a necessária restauração energética, ocasionar o adequado trabalho muscular e a melhora da técnica do golpe.
Os iniciantes devem aumentar o intervalo conforme pode se observar: Os valores indicados para a ressíntese da ATP-CP são de 1 minuto (recupera 80%) ou de 2 a 3 minutos (recupera 90%) ou de 4 a 5 minutos (restaura 100%). A quantidade de séries para um trabalho de velocidade deve ser no mínimo de 3 a 6, numa frequência semanal de no mínimo 2 por semana.
No caso de treinamento de penetração e força, é importante lembrar que quando o 2º e o 3º metacarpos atingem a makiwara, o lutador faz uma força isométrica para segurar esse implemento produzindo o kime – a força final do golpe.
Esse impacto entre a mão e a makiwara se encontra bem delineada na 3ª Lei de Newton, ou seja, a força exercida pelo soco desencadeia uma força de reação do makiwara com igual magnitude e em direção oposta ao soco. Portanto, quanto mais forte o soco, maior é a força isométrica exercida pelo karateca para segurar o makiwara com o 2º e o 3º metacarpo, gerando um maior impacto para os braços.
Quando o 2º e o 3º metacarpo tocam o makiwara eles realizam uma pressão no contato expresso pela força dividida pela área, tendo a unidade de medida de Newton por milímetro quadrado. Exemplo, um soco de um homem de 1,84 m com o 2º e o 3º metacarpo possui uma força de 556 Newton e área de 6 milímetro quadrado (p = 556 : 6 = 92,66 N/mm²). Enquanto que o mesmo soco com o 3º, 4º e 5º metacarpo tem uma força de 556 Newton e área de 7 milímetro quadrado (p = 556 : 7 = 79,42 N/mm²). Logo, o karateca pode perceber que é vantajoso socar com o 2º e o 3º metacarpo, pois essa menor área gera uma maior pressão no soco. Isso sem entrar no mérito postural do acompanhamento do punho.
Caríssimos alunos, espero que todos tenham entendido, qualquer dúvida ainda existente poderá ser tirada em aula.
Oss!

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